O que significa, para uma mulher, ser feia nos tempos atuais? Qual o preço pago, os sacrifícios impostos e os sofrimentos vividos?
Sabemos que, historicamente, a imagem da mulher se justapõe à de beleza e, à de saúde e juventude. A contempo-
raneidade, contudo, parece ter exacerbado. As imagens refletem corpos supertrabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro, ou corpos medicalizados, lutando contra o cansaço, contra o envelhecimento.
Está implícita a dinâmica perfeição/imperfeição, buscando atender os mais antigos desejos do ser humano, conforme narram os mitos, e fontes de eterna juventude.
Beleza exterior e saúde, aparência exterior desagradável e doença cada vez mais se associam como sinônimos, no tocante às representações do corpo feminino. Ao corpo cabe algo muito além de ocupar um espaço no tempo. Cabe a ele uma linguagem que se institui antes daquilo que denominamos "falar", que se exprime, evoca uma gama de marcas e falas implícitas. O corpo fala e as marcas nele feitas também.
Presente na cultura científica, por meio da imagem da perfeição corporal (medicina), como a higiene ou a atividade corporal, é sobretudo a partir do século XVIII que surge a idéia de um corpo que se direciona a um aperfeiçoamento graças ao progresso da ciência. Na mesma tendência, a vertente estética, com a educação física e cosmetologia. Esse corpo é, o centro do nosso cotidiano, em suas aspirações de saúde perfeita, juventude eterna e beleza ideal.
Das academias de ginástica e dança que proliferam, dos anabolizantes que são consumidos como jujubas, das lojinhas naturais que prometem saúde perfeita às inúmeras práticas de trabalhos corporais, tudo nos leva a crer que o corpo passou a ocupar um novo lugar em nossa sociedade e, consequentemente, em nossa estruturação psíquica. Cultivar a beleza, a boa forma e a saúde apontam para uma nova ideologia que se impõe como um verdadeiro estilo de bem viver.
O que buscamos enfatizar é a dimensão de regulação e controle das práticas corporais, ao sublinhar o lugar que a beleza assume como valor social.
Contudo, para tratarmos da questão da beleza, faz-se necessário investigar qual a relação existente entre a mulher e a beleza na contemporaneidade e qual o preço pago para "ser bela"; faz-se necessário investigar o estatuto da feiúra, uma das mais penosas formas de exclusão social na contemporaneidade, uma vez que se ver feio ou atribuir feiúra ao outro revelam mudanças.
Um número considerável de estudos psicológicos foi realizado com o intuito de demonstrar que existe no julgamento dos sujeitos uma forte tendência a associar um estereótipo favorável às pessoas belas e desfavorável e depreciativo às pessoas feias.
Verifica-se, novamente, a atribuição de características morais positivas com relação aos mais belos de ambos os sexos, quais sejam: "são vistos como mais amáveis, sensíveis, flexíveis, mais confiantes neles mesmos. E foram também considerados possuidores de maior domínio de seu destino e, finalmente, mais conscientes de seus objetivos".
Aspectos como força, equilíbrio, modéstia, sociabilidade, profissão de prestígio, modo de vida bem-sucedido e casamento feliz também figuram entre o elenco de adjetivos associados aos belos e subestimados nos apreciados como feios.
Cuidar da beleza em si, é indispensável. O binômio saúde _ beleza, no qual o segundo termo é o determinante, nos é apresentado como o caminho legítimo e seguro para a felicidade individual.
O que é normativo para a mulher contemporânea não é o fato de os modelos de beleza serem impostos, uma vez que o discurso sempre foi esse, nem mesmo de que seja dito que ela deve ser bela, mas o fato de se afirmar, sem cessar, que ela pode ser bela, se assim o quiser.
Se, historicamente, as mulheres preocupavam-se com a sua beleza, hoje elas são responsáveis por ela. O fracasso não se deve mais a uma impossibilidade mais ampla, mas a uma incapacidade individual.
Problemas com a má aparência, certamente, figuram entre os piores tipos de desleixo com a beleza, traduzindo um modo inadequado de relacionamento com a beleza, no qual estão excluídos os exercícios físicos regulares, esforço, disciplina, persistência, obstinação e auto-estima.
Observamos, assim, que o mérito atribuído socialmente à beleza recai, cada vez mais, sobre um esforço individual, e não sobre um produto da natureza.
Com efeito, os cuidados físicos revelam-se, como uma forma de estar preparado para enfrentar os julgamentos e as expectativas sociais.